quinta-feira, 21 de março de 2013

Bento XVI e a lenda de São Corbiniano





Conta a lenda que São Corbiniano, Bispo e fundador de Frisinga, em viagem a Roma, sofreu o ataque de um urso que acabou matando seu cavalo, no qual fazia a viagem. O Santo Bispo, sujeitando a fera à sua autoridade, ordenou ao urso que, pacificamente, prosseguisse com ele a viagem, fazendo as vezes do animal que matara e que, carregando a bagagem do Prelado, o acompanhasse à Cidade Eterna. Quando, enfim, chegou a Roma, o Bispo libertou o animal, que voltou para as montanhas donde tinha saído. Essa cena, que é preservada na cultura bávara, foi escolhida pelo então professor Ratzinger para fazer parte da heráldica do seu Brasão Arquiepiscopal, mas o significado vai além de evidenciar suas raízes, podendo-se usá-lo, também, para entender sua vocação e o lugar do seu serviço na Igreja.
O Cardeal Ratzinger, ao escrever um livro de memórias, reconta a história do Santo Bispo bávaro e, ao recontá-la, faz uma analogia com a sua própria ida para Roma. O texto termina com esse belo e artístico trecho que ora transcrevo: “Enquanto isso, eu levei a minha carga para Roma e ando com ela há muito tempo pelas ruas da Cidade Eterna. Quando serei solto, não sei; o que sei é que para mim vale: ‘teu jumento eu me tornei, e assim, exatamente assim, é que estou contigo’”.[1]  
A lenda de São Corbiniano, na verdade, constitui quase que uma parábola da vida do Papa Bento XVI, especialmente dos quase oito anos de seu Pontificado. Com a triste e inesperada notícia de sua renúncia, essa meditação torna-se ainda mais eloquente e necessária. Eloquente porque parece ter chegado ao final da viagem e o momento de “livrar-se” da carga imposta por Deus aos seus ombros fatigados; necessária, pois pode ser uma luz que explique o motivo pelo qual ele tomou a decisão de descer humildemente da Cátedra de Pedro. Todavia, é indiscutível que a lenda torna-se mais que uma parábola; pode assemelhar-se a uma “profecia”, um anúncio prévio que revela a espiritualidade do Papa.
     O urso é o próprio Papa que, obedecendo ao Bispo, ou seja, à Vontade de Deus, vai a Roma carregando o seu fardo e, lá, terminado o percurso e findada a sua “utilidade”, é liberado, podendo assim voltar para as montanhas donde havia sido retirado. Porventura, naquele urso forçado a tornar-se o que não é próprio de sua espécie, não vemos o Papa? Sim, nele vemos o jovem professor Ratzinger que, contrariamente à própria vontade, deixa o seu “habitat” natural, em outras palavras, afasta-se do mundo acadêmico, para ser consagrado Bispo. Quando teve que aceitar a nomeação para o Arcebispado de Munique e Frisinga assim escreveu na sua carta de aceitação: “Às vezes é preciso aceitar o que nunca se pensou para a própria vida”. Vemos ainda o Bispo que aparta-se  da sua amada Baviera e, silencioso e obediente, toma lugar na Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé; ele é, por assim dizer, arrastado para Roma e lá permanece, fielmente, até que Jesus lhe peça outra coisa, outra saída. É outra vez conduzido aonde não pensava ir, para ocupar o lugar vazio da Sé de Pedro; outra vez mais, não queria ir e, por amor e obediência à voz do mestre de Nazaré, deixa-se “atar e conduzir aonde não quer ir” (Jo 21,18), tornando-se assim um “humilde trabalhador na vinha do Senhor”[2].
O que representa para o Papa aquele urso conduzido como um animal de carga? Deixemos que o próprio Ratzinger o defina: “Esse urso, carregando a bagagem do Santo, me lembra uma meditação de Santo Agostinho sobre um Salmo. Nos versículos 22 e 23 do Salmo 73 (72), ele viu uma imagem do peso e da esperança de sua vida”. Mais adiante, confessa: “O que Agostinho aí escreve tornou-se, para mim, a definição de meu próprio destino”. Cita Santo Agostinho: “Um animal de tração sou eu, diante de ti, para ti, e é exatamente assim que estou contigo”[3].
Sim, Santo Padre, vós chegastes a Roma carregando, nos ombros, o peso das ovelhas que vos foram confiadas pelo Supremo Pastor de quem fostes constituído Vigário, representante; vós não possuís a mentalidade do mundo que apenas vê como sucesso as glórias, as honrarias, os devaneios e maldades feitos simplesmente para manter-se no poder, manter-se visto, ouvido e influente; vós, contrariando os vossos contemporâneos, uma vez cumprida a vossa missão e escutada aquelas palavras consoladoras “servo bom e fiel” (Mt 25, 22), soubestes dizer ao mundo que o homem passa, o homem deve passar para que as coisas eternas permaneçam. Neste sentido, no antigo Rito de Coroação Papal havia um momento onde queimava-se incenso e um Cardeal mostrava ao Papa a fumaça enquanto dizia: “Sic transit gloria mundi”[4], para que o novo Papa não se deixasse levar pela tentação de deixar entrar no coração o gosto pela glória mundana. Vós, Santo Padre, sem vos iludirdes com as glórias passageiras respondestes ao Senhor com as mesmas palavras que Ele havia ensinado aos seus discípulos: “Sou um servo inútil, fiz apenas o que deveria fazer” (Lc 17,10).
Na história de São Corbiniano, o urso, após cumprida a sua missão, voltou para as montanhas. Vós também decidistes voltar para a montanha! Sim, às montanhas que significam o lugar propício para a oração. Depois de entregar as chaves de Pedro, subireis a montanha da oração e do silêncio e vos juntareis aos inúmeros homens e mulheres que fazem da oração o seu serviço à Igreja e à humanidade. Subireis com eles as montanhas hodiernas nas quais precisamos homens santos rezando e intercedendo de mãos erguidas fazendo possível a vitória contra o mal (Cf. Ex 17, 8-13). Vós mesmo fizestes essa meditação: “ Esta Palavra de Deus escuto de modo particular ser dirigida a mim, neste momento da minha vida. O Senhor me chama a ‘subir o monte’, a dedicar-me ainda mais a oração e à meditação. Mas isso não significa abandonar a Igreja, antes, se Deus me pede isso é para que eu possa continuar a servi-la com a mesma dedicação e o mesmo amor com que busquei fazer até agora, mas de um modo mais adaptado a minha idade e à minha força” (tradução nossa)[5]. Sim, Santo Padre, adaptado à vossa idade e força, mas, sobretudo, adaptado ao vosso grau de santidade.
 Com este ato corajoso, destes vida à antiga oração composta pelo vosso antecessor, o Papa Clemente XI, que diz: “Quero o que quiserdes, porque o quereis, como o quereis e enquanto o quereis”. Sim, querido Papa, “enquanto o quereis”! É preciso fazer a Vontade de Deus e fazê-la até quando Ele queira. Com esse gesto nos ensinastes a fazer a Vontade de Deus e a não confundi-la com a nossa vontade.
Obrigado, Santo Padre! Obrigado pelo constante “sim” que, uma vez pronunciado, foi ratificado dia a dia; fostes fiel e o sereis até o fim. Obrigado por mostrardes que Deus é amor e que só podemos ser felizes quando correspondemos livremente a esse amor! Obrigado por nos ensinardes a ver, apesar da névoa, que “o sol da justiça que nos veio visitar” (Lc 1,78) nos abriu a possibilidade da salvação e continua presente e operante na Sua Santa Igreja! Obrigado por colaborardes com a verdade quando o mundo não mais acreditava na sua existência! Obrigado por serdes o Papa da fé e por nunca terdes – mesmo quando parecia ser mais fácil – diminuído as exigências ou aumentado as expectativas, porque sois apenas o administrador, falais em nome de Outro e porque é preciso estar atento à Vontade d’Ele.
Muito obrigado, Santo Padre! A Igreja de Cristo vos ama!



[1] RATZINGER, Joseph. Lembranças da Minha Vida: autobiografia parcial (1927-1977). Trad. De Frederico Stein. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 140
[2] Primeira alocução aos fiéis após a sua eleição ao Sólio Petrino, em 19 de abril de 2005.
[3] RATZINGER, Idem, p. 138.
[4] “Assim passa a glória do mundo”


[5] Angelus, 24 de fevereiro de 2013.

quarta-feira, 20 de março de 2013

A arte fala a verdade.


A Igreja Católica sempre viu na arte uma forma de comunicar ao mundo a verdade de Cristo, verdade essa, que encerra em si toda a verdade sobre Deus e sobre a humanidade.
Sem duvidas, a Igreja atenta às Sagradas Escrituras e ao mais nobre do pensamento humano, deu a arte um “status” de força evangelizadora, neste sentido encontramos toda uma doutrina sobre a Via pulcritudinis, coisa bastante discutida entre os teólogos da Igreja e posta em pratica pelos Papas, Cardeais e Bispos chamados mecenas ou patronos da arte.
O vaticano, nos dias 26 e 27 de março do ano de 2006, por meio do Pontifício Conselho para a Cultura, promoveu uma discussão sobre a arte como evangelização, o encontro teve por tema a seguinte expressão: “A via pulchritudinis, caminho privilegiado de evangelização e de diálogo”.
 No documento final encontramos essa passagem: “Em tal perspectiva, a “via pulchritudinis” se apresenta como um itinerário privilegiado para aproximar muitos daqueles que tem grande dificuldades para receberem o ensinamento, sobretudo moral, da Igreja”.
Nestes dias de Sede Vacante e de Início do Pontificado de Sua Santidade o Papa Francisco os meios de comunicação de todo  o mundo fizeram circular em todo o globo terrestre as imagens do Vaticano, de seus museus e de suas capelas. O mundo voltou, apenas que ilusoriamente, a ter em Roma seu centro e cabeça e a praça de São Pedro tornou-se a Ágora moderna.
Como não ver em cada pedra um ensinamento? Como não ver em cada pintura uma Doutrina? Como não os princípios do Cristianismo expostos aos olhos da alma por meio de mãos habilidosas e dotadas de sensibilidade que tornou o artista um verdadeiro teologo?
Neste sentido, quero chamar atenção, para duas representações encontradas na Patriarcal Basílica de São Pedro. a primeira encontra-se na parte interna do teto do grandioso "Baldaquinho de Bernini", encontra-se nele uma imagem do Espírito Santo; a segunda imagem, também do Espírito Santo, encontramos ao fundo da Basílica, sobre o Altar da Cátedra, na obra chamada de "Glória de Bernini" que faz uma belíssima alusão a Doutrina Eclesiológica do Sumo Pontificado Romano, cuja potestade vem de Cristo e radica-se em Pedro e, por seu meio, estendendo-se até o fim dos tempos nos seus sucessores.
Não quero deter-me aos minuciosos detalhes, nem tampouco explicar pormenorizadamente a teologia encontrada nestes dois pontos da imensa Basílica Vaticana, todavia, quero apenas aludir que os dois pontos retratam a mesma verdade, ou seja, exprimem, ambos, que sobre o poder de Pedro, o poder da Cátedra está o auxilio perene do Espírito Santo, conforme nos prometeu Nosso Senhor ao dizer: “Quando vier o espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena”(Jo 16,13). Esse defensor nos garante que “As portas do inferno nunca prevalecerão sobre a Igreja”( Cf. Mt 16,18) e que o timão da Igreja sempre será direcionado aos porto seguro da salvação.
Quando lemos, ouvimos e até mesmo percebemos que católicos, os mais tradicionalistas ( não gosto de denominá-los de tradicionalistas, pois não o são. Eles entendem a tradição apenas como devoção aos Papas-Reis e apenas a partir de um certo período, esquecendo-se que a Igreja é Apostólica e não começou no século X ou XI) pois bem, quando tomamos conhecimento que católicos se arrogam o direito de concordar e discordar do papa de acordo com o seu interesse vemos claramente que não acreditam no que os símbolos acima mencionados exprimem. Em outras palavras, concordam que a arte é importante meio de comunicar Cristo, concordam que as imagens postas por Bernini falam – sem falar –  ao mundo que sobre o Papa está a assistência do Espírito Santo, mas na verdade, não creem, concordam e, no entanto, não creem.
Aqui surge um grande problema de lógica, pois as premissas não batem com a conclusão. Os chamados tradicionalistas são grandes desconhecedores da lógica, tanto da lógica formal, quanto e, sobretudo, da lógica Evangélica. Aqui encontram uma grande dificuldades para a sua fé que reside principalmente no fato de querer das às mesmas respostas às perguntas diferentes e enquadrar Deus e a Igreja nas suas mesquinhas categorias.
A nossa oração, devoção e total submissão ao Sucessor de São Pedro, pois cremos no que Bernini pintou e no que a Igreja crê.